segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Um livro legal, mas que terminou esnobe, seguido de CONVITE!

Ler um livro em grupo, quer seja em um clube do livro, quer seja com uma turma, em sala de aula, é uma experiência muito gostosa para quem adora falar sobre livros. É uma chance de prolongar o prazer solitário que as palavras nos dão e enriquecer nossas opiniões com a opinião dos outros, sem que a gente ache que essas pessoas estão se metendo em nossa vida... Ler Em busca do tempo perdido de Marcel Proust desse jeito coletivo, no clube do livro, com todo mundo sabendo da ambição, também tem me dado a chance de ler ainda mais, ou seja, de conhecer artigos, documentos e outros livros que as pessoas acham que têm a ver com o Proust. Destaco a dica de uma aluna também sabedora de que eu adoro cozinhar, o livro À mesa com Proust de Anne Borrel, Jean-Bernard Naudin e Alain Senderens (Rio de Janeiro, Ed. Sextante, 2013), e a dica de um aluno, Como Proust pode mudar sua vida de Alain de Botton (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2011). É sobre este último que quero falar.

O livro de Botton proporciona ao leitor a leve sensação de intervalo de leitura do monumental romance de Proust, sem que a gente se ressinta de ter abandonado o autor. É como descansar de uma experiência que nos exauriu justamente nos braços do nosso “algoz”. Outra analogia, menos picante: Como Proust pode mudar sua vida é uma espécie de livro de autoajuda, cujos passos de recuperação pessoal estão no texto literário. Outro dia, não li que ler poesia é mais eficaz que ler autoajuda?! Pois bem, Botton quer juntar as coisas.

São nove capítulos: “Como amar a vida hoje”, “Como ler para si mesmo”; ”Como não se apressar”, “Como sofrer com sucesso”; “Como expressar suas emoções” (o meu favorito).... “Como abandonar os livros” (o capítulo que infelizmente não posso mais “desler”). Como eu afirmei que se trata de um livro de autoajuda, creio ser importante observar que há um capítulo intitulado “Como ser feliz no amor”, mas sinceramente não sei se Proust pode ajudar a sê-lo...

No livro de Alain de Botton, há desenhos, fotografias e muitas citações de Proust. Aliás, o tempo todo, Em busca do tempo perdido comparece descontextualizado e recontextualizado, segundo a lição que Botton quer extrair do monumento. O livro também traz detalhes sobre a biografia do autor, sua família, o trabalho do pai, a relação com a mãe, com os amigos e notícias sobre os desafios da publicação. É uma forma de saber mais sobre Proust sem recorrer à leitura de uma biografia.

O capítulo “Como expressar suas emoções” fala sobre essa busca deliciosa e infrutífera pela palavra certa; sobre as expressões que nos perseguem sem que tenhamos consciência disso (embora todo mundo tenha e saiba apontar); sobre os clichês e sobre o Proust crítico. Um beijo para essa bravata verbal: “A única maneira para defender a língua é atacá-la” (Proust para a Sra. Strauss, pág. 124) e silêncio reverente nesse momento: “Infelizmente, Sra. Strauss, não existem certezas, nem mesmo gramaticais (...) apenas aquilo que carrega a marca das nossas escolhas, do nosso gosto, da nossa incerteza, do nosso desejo e da nossa fraqueza pode ser belo” (pág. 126). É um capítulo muito bom!

Como eu me interesso muito pelo tema da amizade, escrevi um pouco mais nas margens do capítulo “Como ser um bom amigo”. Botton nos conta como a atitude literária de Proust era diferente da que seus amigos propalavam, fundada na convivência com ele. Na verdade, a essência da discrepância estava na convicção de Proust de que “um livro é o produto de um outro eu que não é o que mostramos em nossos hábitos, na sociedade, em nossos vícios” (pág. 151). Não vou discutir essa assertiva de Proust, mas gosto de pensar que seus personagens muitas vezes revelam uma descontinuidade que observo na vida e que Botton também não ignora. Refiro-me a achar que os interesses de nossos amigos e os nossos coincidem, quando muitas e muitas vezes as pessoas que amamos desejam atrair-nos a seus pontos de vista e interesses tão somente. Vale para nós em relação aos amigos também... Outra reserva sincera contra nossa hipocrisia seria o reconhecimento de que “parece haver um hiato entre o que as pessoas precisam ouvir de nós para terem certeza de que gostamos delas e a extensão dos pensamentos negativos que sabemos que podemos ter e ainda assim gostar delas” (pág. 163). Seria por isso que Proust não se esforçava nas amizades intelectuais? Botton refere o encontro completamente estéril (!) do escritor com Joyce.

Alain de Botton poderia, entretanto, ter nos poupado de seu capítulo mais incoerente, o último: “Como abandonar os livros”. Depois de abordar, com um exemplo da biografia de Proust, “os benefícios da leitura”, o autor fala a respeito da necessidade de nos precavermos contra “uma série de sintomas que Proust identificava no leitor demasiadamente reverente e dependente” (pág.233). Mas que ninguém se iluda: é sempre Botton que fala, forçando Proust a lhe dar crédito, por meio de citações descontextualizadas. No segundo sintoma, “Não seremos capazes de escrever após ler um bom livro”, Botton fala da admiração de Virginia Woolf por Proust e sobre como esse sentimento pareceu constrangê-la... Uma enganação, afinal ela escreveu e como! Mas eu compreendo Botton, afinal vivemos em um mundo em que não é preciso fazer absolutamente nada para se notabilizar. Isso significa também que os que fazem algo ora são temidos, ora são rechaçados. Sabe o que sinto quando releio Irmãos Karamazov? Gratidão e humildade... Isso não me tolhe, enche meus olhos de lágrimas.

Botton implicou com À mesa com Proust e despreza as excursões literárias porque isso seria “idolatria artística”. Vejo por outra perspectiva: toda a experiência que chama a atenção para o texto literário, na unicidade e diferença com esse mesmo texto, tem de antemão a minha simpatia. Eu nunca vou deixar meu compromisso com a formação dos leitores, portanto não acho nada “macabro em entrar de carro em uma cidade que abriu mão de arte de sua independência em favor de um papel criado para ela por um romancista que passou verões ali na infância, no final do século XIX” (pág. 246). Acho divertido como experiência e reconfortante se, na volta do passeio, a gente se recostar na janela do carro, do trem ou do ônibus para ler o livro daquele romancista. É possível que a gente adormeça, que sonhe, que abra os olhos surpreendido com o tempo que passou, que tenha de voltar parágrafos... e, no hotel ou já em casa, termine aquele livro e se veja impregnado do cheiro dele e da memória das casas que vimos, que isso tudo se misture em nós: memória e imaginação são primas! Ler é também uma experiência dos sentidos...

 Botton termina afirmando que “até mesmo os melhores livros merecem ser abandonados”, não deve se referir ao seu pelo critério de partida. Se a gente se conhecer um dia, vou lhe sugerir que, em uma próxima edição, suprima esse capítulo esnobe; faça um livro menor, não há problema. Afinal, deixa a gente com mais tempo para Proust nos exaurir... Voltemos para seus braços!



Participantes do clube do livro e outros interessados, convido-os ao 1o piquenique do clube. Próximo sábado, dia 13 de fevereiro, no Parque São Lourenço, às 16:00. Leve seu lanche e o 2o volume: À Sombra das raparigas em flor.

 

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