segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A brasileira foi estudar sobre o Brasil

Prólogo:

Depois que o blog completou 1 ano e virou as 17.000 visualizações, eu comecei a investir em pedidos. Eu já havia publicado entrevistas e alguns poucos textos de amigos, mas achei que era uma boa ideia trazer mais gente para cá! Bem, eu já pedi textos e tentei entrevistar umas pessoas que jamais me deram bola..., mas a maioria esmagadora me dá! Outro dia, pedi um texto à Bárbara Lopes, que foi minha aluna e foi professora de espanhol do Luiz. Bárbara não passou pela minha vida, ela ficou na nossa e eu também sinto muita saudade dessa brasileira que foi estudar na Argentina sobre o Brasil...

A brasileira foi estudar sobre o Brasil

O aluno estrangeiro, de língua castelhana, que quer estudar português tem suas particularidades... Podem ser várias as razões que o levam a uma sala de aula de língua estrangeira, algumas coincidem entre eles, outras não. Muitos vão por razões de trabalho e desenvolvem um “gosto pela coisa”. Outros amam a língua, já falam muito bem e sentem a necessidade de praticar com uma certa regularidade.
Há algo que coincide, que tem a ver com a cadência da língua portuguesa: todos a sentem dócil, suave, harmônica e sonora. Isso se deve à música, ao tratamento que receberam aqueles que viajaram ao Brasil, às cores, à própria geografia que favorece o clima. Gramaticalmente falando, deve-se à prevalência do subjuntivo sobre o imperativo do espanhol, ao diminutivo (quando carinhoso), aos sons nasais e à informalidade. Tem também os aspectos culturais, mas este será um parágrafo à parte.
Dar aula de português em outro país sendo brasileira tem lá suas vantagens, os alunos me põem em contato com minha língua e cultura diariamente. Sim, isso faz com que a saudade não seja aumentada. Já pensou? Além de estar longe da família, estar longe também de sua língua? Não imagino. Bom, tem também uma responsabilidade. Algo ético. Há perguntas que por vezes não tenho a resposta no momento, principalmente aquelas culturais. Com as gramaticais eu me viro, uso todos os recursos e soluciono a questão, mas quando a pergunta é cultural e você fica devendo, a sensação é estranha. Bom, vamos estudar sobre o Brasil.
O mais legal é explicar coisas tão nossas, ainda que muitas vezes não estejam presentes em todo o país. Nunca ficou tão clara para mim a extensão territorial, as distâncias em quilômetros e às vezes em costumes. 90% já foram ao Brasil mais de uma vez, conhecem mais de um Estado. Sabem comparar as praias do sul e do norte, o clima, às vezes até o sotaque e aí imitam o carioca, claro. Tiveram boa aula de história e as novidades que posso oferecer têm mais a ver com o que acontece dentro de casa. Aprendi muita coisa sobre o Brasil depois que saí dele. O aluno argentino é muito curioso e interessado, assim te contam, ensinam, descobrem. Lembro-me de uma aula em que levei uns 20 minutos explicando o que é um tamanduá-bandeira e um urubu. O que não lembro é como chegamos nesse assunto, uma vez que os alunos gostam mesmo é de bater-papo... em português! E o bobó de camarão? Bom, isso tive que estudar, pois convenhamos que em Curitiba não encontramos com facilidade (encontramos?).
Tem também aqueles maravilhosos marinheiros de primeira viagem, que chegam com os olhos de quem não sabe nada e aos poucos começam a fazer associações, confundem-se, mas logo desfazem a bagunça e conseguem separar as línguas. Sim, porque pode virar bagunça. É preciso um estudo rigoroso para falar bem um idioma tão próximo, mas que possui estruturas sintáticas tão diferentes. Para eles é engraçada a repetição dos pronomes pessoais; para nós soa muito formal o uso dos pronomes complemento do espanhol, mesmo em contextos absolutamente informais. Bom, sem contar os falsos cognatos, né? Uma lista gigantesca. Esses alunos que começam a estudar sem nunca ter visto nada antes me ensinam muito, principalmente sobre o processo de aprendizagem e seu conceito. Ampliei muito o que pensava sobre Língua Materna. Digo isso porque o aluno que aprendeu o b-a bá com um professor jamais o esquece. Há 4 anos moro aqui e dou aula de português e cada tanto recebo um email carinhoso de quem foi meu aluno de nível 1. Sou professora da primeira segunda língua de alguns ou, mesmo que seja, a primeira vez nesta língua portuguesa brasileira. Um lugar de muito afeto.
Tem uma palavra que todos conhecem, já ouviram falar, escutaram na bossa nova e pronunciam direitinho. Para contar uma novidade, digo de onde vem, que época e contexto se encontrava Portugal, quando era sentida mais fortemente, naquele século XVI de descobertas e ausências. Conto da mesma maneira que um dia me contou uma professora numa época em que ela falava mais de Camões que de Fernões.

Saudade.

Bárbara Lopes


Epílogo:

Quem é Bárbara Lopes?

Bárbara é formada em Letras (Português – Espanhol) pela PUCPR. Foi minha aluna lá. Lembro-me que nossa aula começava às 22:15 e ia até as 23:00. Se havia evasão? Nenhuma. Se eu tenho uma coisa na vida é sorte com meus alunos! Traduzimos juntas, em 2007, uma peça medieval, a Dança da morte. Eu já estava na UFPR e a peça foi encenada pelos meus alunos de História na época. O Teatro Guaíra até emprestou figurino!
Um dia Bárbara cismou de ir morar na Argentina e está lá muito bem, obrigada. É professora de Linguística Aplicada na Universidad Nacional de La Plata. Faz Mestrado em Linguística na mesma instituição. Fundou a Escuela Tertulia, onde também leciona português.

Bárbara é uma leitora voraz, adora poesia e por causa dela eu sei quem é Violeta Parra.

Um tamanduá bandeira

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