segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Eu e o telefone: uma relação histórica

O chefe da folia
Pelo telefone manda me avisar
Que com alegria
Não se questione para se brincar
(“Pelo telefone”, Donga e Mauro de Almeida)


Detesto telefone. Outro dia falei ao Luiz sobre cancelar a linha fixa, a caminho de uma maior simplificação da vida e ele disse que eu ando meio radical. – Radical, eu ??????!!!!!
Nem sempre detestei telefone. Houve um tempo em que até amei. Na adolescência, tive um namorado com quem passava horas no telefone. Falávamos, ocasionalmente nos beijávamos, nos abraçávamos, nos beijávamos de novo, mas sobretudo falávamos! Falávamos de nosso amor, de nossos planos de viver para sempre juntos e nosso para sempre até que durou algum tempo. Continuei amando telefone depois desse namorado e falava com minhas amigas, sobre coisas muito importantes para nós: sobre viagens, sobre morar sozinhas, novos planos... Nós tínhamos o supremo plano de ser independentes! Eu também tinha planos de morar com minha prima Andréia, de percorrer o mundo de mochila e isso dava muito papo pelo telefone. Vieram outros namorados que gostavam de telefone também! Minha mãe não apreciava meu amor pelo aparelho e vira e mexe havia um cadeado no meio do meu caminho.
Quando eu me casei, em 1998, não tínhamos telefone em casa. Pagávamos a casa, não havia dinheiro para mais nada! Uma vez por semana, eu ia a um telefone público com muito cartão e vontade e ligava para meus pais. Foi assim por um bom tempo... Um dia meu pai nos deu de presente uma linha telefônica! Eu não precisava mais enfrentar frio e chuva para matar as saudades.
Quando aquela casa em que não moro mais estava perto de ser quitada, o dinheiro deu para comprar um computador só nosso e instalar uma internet discada. Meu Deus, era percorrer o mundo! O telefone continuava lá muito útil, agora entre a internet e a saudade dos parentes.
Um dia, os parentes começaram a chegar a Curitiba e a se instalar. O meu telefone era a sua referência na cidade. Até hoje recebo ligações de bancos e outras instituições atrás de gente que viveu aqui em casa, mas já se mudou. O meu número, entretanto, permaneceu fiel em algum cadastro.
Aos poucos, passei a simplesmente não usar mais o telefone. Comecei a passar mensagens – e-mails – para colegas, alunos e pessoas muito próximas e a gostar de receber e poder responder no fim do dia, com calma. Passei a escutar o toque do telefone com exasperação: - Quem seria justamente agora????
Mas talvez tenha sido o nascimento da filha o fator que colocou vinagre na minha relação com o telefone. Depois dos esforços para colocá-la para dormir, ouvir a ameaça de acordá-la no toque do telefone me deixava louca. Quando eu digo louca, não emprego eufemismo. Mas o Luiz também! Diminuímos o volume do toque e mesmo assim, quando ele tocava, era uma correria. Hoje, eu me pergunto: era o barulho da nossa correria (e eventualmente queda de algum objeto) ou o toque do telefone que ameaçava acordar a filha?...
Quando ela começou a ir para a escola, divulguei um interdito entre os parentes (que funciona até hoje, mesmo sendo eventualmente desobedecido por alguns...): não receberíamos ligações entre 11:30 e 13:30. Começar a arrumar a filha, dar-lhe almoço (atividade até hoje lentíssima), sair de casa para levá-la... são coisas que não combinam com outras simultaneidades.
O fato é que passei a olhar o telefone de esguelha, como se ele me obrigasse a estar à disposição, quando eu não quero (ou não posso?) mais estar. Eu estou antevendo a cara de horror das pessoas que ainda me ligam, pessoas que eu amo e que me amam: - Meu Deus, ela não gosta que eu ligue??? Pessoa radical, difícil, eu me tornei. Eu amo ouvir as vozes das pessoas queridas, só não gosto do telefone.
Quando o whatsapp entrou em minha vida, eu vivi um sentimento duplo: 1) que legal ter esse e-mail instantâneo! 2) que droga ter de responder imediatamente, se não a pessoa que enviou vai ficar triste de ser visualizada e não ter a resposta... Passei a adotar o “escrevo depois” para as pessoas não se sentirem mal ou desprezadas. O fato é que eu respondo mensagens escritas com mais gosto. Será porque eu gosto muito de escrever? Acho que não é por isso, afinal o corretor não é o melhor amigo dos escritores de ficção... e todo mundo tem uma história escabrosa (ou hilária... ou as duas coisas juntas...) de corretor para contar.
O telefone me obriga a parar e eu não quero (ou não posso?) parar. A visualização do whatsapp me incomoda pelo mesmo motivo. Estar à disposição do tempo é um luxo que eu perdi e essa frase foi bem difícil de escrever... Ela me soou como sofrimento e como arrogância. Enquanto escrevo, penso que afinal para o telefone convergiram mudanças na minha relação com o tempo e que o telefone passou a ser anacrônico, esquisito, um trambolho no meio da sala, em que eu tropeço todo dia.
O telefone é objeto de meu museu particular, ele me conta que houve um tempo eu que eu me entregava a largas conversas, ameaçadas “apenas” por minha mãe e pelos seus parcos meios de pagar contas astronômicas... Não falava para desobedecer, mas para dar sentido ou buscar sentido para a pessoa que eu tentava ser. Eu sou parte da pessoa que eu queria ser e da outra em quem quero me tornar, se eu tiver tempo...
É um senhor tão bonito... Talvez eu consiga convencer o Luiz a cancelar a linha fixa e coloque o lindo e barulhento aparelho preto que mandei restaurar na estante, como objeto de decoração apenas. Ficaremos com o celular, então... Mas eu também detesto celulares..., ai esse texto nunca mais acaba.

2 comentários:

  1. Adorei seu texto. Mas eu gosto de telefone. Sempre gostei. Acho meio impessoal demais essa coisa de fazermos tudo por mensagem, uatizápi e e-mail. O telefone tem a alegria da voz, nele é mais difícil dissimular e mentir, a gente sente o tom...sei lá. Eu gosto dele, seja o de casa ou o celular.

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    1. Querido, amei vc ter gostado do texto ainda que seja de opinião contrária! Obrigada pela leitura. Beijos.

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