segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O Bar do Feio

Perto da casa de minha mãe, havia um bar, chamado Bar do Feio. Pouco depois que ela se mudou, um dia em que fui levá-la à sua casa, já tarde da noite, ela me disse: - Vira aqui à direita. Lá na frente, no Bar do Feio, você dobra à esquerda. - Bar do feio? Ri. – É. Riu.
Pertenço a uma família de excelentes motoristas, desbravadores de novos caminhos para onde quer que se deseje ir. Até os parentes que não dirigem são Ótimos motoristas, sempre com uma sugestão na ponta da língua. Minha mãe já abandonou o caminho do Bar do Feio, mas eu continuei muito apegada a ele. Mesmo quando eu já não precisava mais prestar atenção na referência, eu o saudava antes da dobrada. Dia desses, perdi o Bar e culpei a minha distração. Outro dia, mais aplicada, descobri que o Bar não existe mais e que o imóvel fora pintado com um amarelinho imperdoável.
Nunca entrei no Bar do Feio. Mesmo em minhas andanças pelo bairro – eu e minha mãe moramos a umas dez quadras de distância, no mesmo bairro – sempre encontrei o Bar fechado. Nenhum problema, afinal essas minhas andanças costumam acontecer pela manhã e, pelo que já percebi em saudações diversas, o Bar do Feio tinha outro relógio. Nunca soube o que era vendido ali. Sorte minha que tenho razoável imaginação para preencher suas estantes com coloridas bebidas de múltiplas preferências (minhas e de outras pessoas, em etapas diferentes da vida...); povoar o seu interior com mesas de quatro cadeiras; colocar um balcão espelhado ao fundo meio escuro, em que sobressaíam os clássicos: lindos ovos cor de rosa, azuis, verdes..., coxinhas gordas, quibes tão robustos quanto suas irmãs de exposição. Imagino que alguém secaria os copos em aparente distração, mas atentíssimo à contabilidade das doses. Vejo o quadro de preços com letras móveis, para facilitar a atualização. Não, não imagino sonhos, afinal há o carro que passa à tarde, anuncia-os e tira o meu sossego quando estou concentrada no escritório de casa. Acho que no Bar do Feio não eram vendidos sonhos, só imagino.
Desde aquela primeira vez em que fui levar a minha mãe e o Bar virou ponto de referência, eu me encantei com o misto de singeleza e sinceridade daquela esquina. Ninguém pichou a acusação. O nome do bar fora pintado diretamente acima da sua entrada, sem a necessidade de placas, em letras pretas. Alguém fez um plano, mediu, subiu em uma escada e pintou. Refleti algum tempo sobre o Feio: o dono? O seu pai? O seu melhor amigo? O seu sócio? O seu amor? Uma brincadeira? Estava bem escrito o nome do bar.
O Bar do Feio fechou. Acho que todo mundo pode imaginar o quanto a minha própria imaginação construiu explicações para o encerramento das atividades. 2016 vai ficar na minha biografia como um ano em que enxuguei lágrimas abundantes (minhas e dos outros) de sonhos abandonados e não posso deixar de pensar que entre imaginar o Feio resolvido a ser o Admirável ou o Gato no consultório de um cirurgião plástico e imaginar que ele faliu, eu tendo a achar que o Feio pode ser hoje o Devedor ou o Triste.
Há singeleza no amarelinho da nova fachada. Mas a nova cor cobrindo a sinceridade não instituiu para mim uma realidade muito significativa... Sou capaz de abandonar até aquela rua e me deixar levar por novos roteiros familiares. Agora me ocorre uma esperança: o Feio teria encontrado um ponto mais atraente? Calculará nesse momento o tamanho das letras em relação à nova fachada? Espero que diminua a distância entre o substantivo e a preposição com artigo e vire poeta de vez. Está aí um novo esforço para essa semana: encontrar o Feio e comemorar (com uma dose ou duas) a sua obstinação.





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