segunda-feira, 24 de julho de 2017

O blog LITERISTÓRIAS completou 2 anos em 22 de julho e hoje tem presente: uma entrevista com a medievalista Maria Cristina Pereira!

Na apresentação do currículo lattes de Maria Cristina Correia Leandro Pereira, lemos que ela se formou em História pela UFRJ, em 1990, e defendeu o mestrado em História Social pela UFRJ, em 1993. Na época em que Maria Cristina era moça quase mestra, eu entrava na mesma UFRJ, só que para fazer Letras. Depois ela continuou seus estudos fora do Brasil: DEA em História pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (1997) e doutorado em História - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (2001). Eu fiquei no Brasil e acabei por encontrar seu nome na área que me adotou, a área dela!, nossa!, a História. Atualmente ela é professora de História Medieval do Departamento de História da USP e do Programa de Pós-graduação em História Social da mesma universidade. Coordena o Laboratório de Teoria e História da Imagem e da Música Medievais (LATHIMM-USP), sobre o qual ela fala logo abaixo com mais detalhes. Tem pesquisas nas áreas de História, com ênfase em História Medieval e História da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: imagens, arte medieval, arte barroca, arte sacra.

Ano passado, Maria Cristina lançou o livro Pensamento em imagem. Montagens topo-lógicas no claustro de Moissac (São Paulo: Intermeios, 2016. v. 1. 275p). Conheço a sua obra há um tempo e a tenho indicado a meus alunos, sobretudo os textos que estão disponíveis na internet. Mas só conheci Maria Cristina pessoalmente em 2013, no X Encontro da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais), em Brasília. Há duas fotos nossas dessa época em meu perfil do FB e nas duas estamos lado a lado. Maria Cristina ama felinos, igual à minha filha Maria Clara, deve ser coisa de marias... rsrs e coleciona fantásticas imagens de grafites que ela compartilha em seu perfil do FB. Para fechar, uma coisinha que não posso deixar passar: adoro os cabelos de Maria Cristina!

Agradeço imensamente a ela o tempo que dedicou a responder às quatro perguntas que lhe enviei para essa edição de aniversário dos 2 anos de LITERISTÓRIAS! Esse caderno de notas virtual começou tão despretensioso e já entrevistou colegas importantes!!, que eu penso que Literistórias está se sentindo com o rei na barriga nesse seu aniversário... Obrigada a todos os colegas que entrevistei!

LITERISTÓRIAS: Maria Cristina, você é uma medievalista dedicada à pesquisa dos ornamentos e outras imagens nos manuscritos medievais. Que tipo de respostas o pesquisador pode obter ao voltar seus olhos e as suas questões a esse tipo de documentação?

MARIA CRISTINA: As imagens são uma fonte muito rica para os medievalistas – menos por seu caráter “arqueológico” (ou seja, de permitir a obtenção de conhecimentos concretos sobre a sociedade medieval através de representações mais realistas) e mais por seu caráter “teórico” (ao permitir conhecer mais sobre a cultura e o pensamento medieval). As imagens têm distintos usos e funções, que vão muito além da tão falada função didática, possuem modos de funcionamento complexos e a elas são atribuídos poderes de várias ordens. Um aspecto importante e que diz respeito a todos esses âmbitos é a ornamentação: as imagens, mesmo as mais figurativas, podem ornar objetos (roupas, livros, armas etc) e lugares (igrejas, claustros etc), colocando-os em destaque, embelezando-os ou mesmo trabalhando para seu bom funcionamento. A concepção medieval de ornamento é bastante afastada da atual, que o associa a algo supérfluo. Cito um exemplo, para ficar mais claro: em um manuscrito iluminado, muitas das letras iniciais podem ser ornamentadas, tanto com motivos não-figurativos, como folhagens, quanto figurativos, ou mesmo simplesmente com uma cor diferente do resto do texto. Essa ornamentação não apenas contribui para o embelezamento da obra e para torná-la um objeto de mais prestígio (digno de ser dado de presente a um grande senhor), mas também ajuda a organizar as divisões internas do livro e pode inclusive servir de suporte para comentários visuais ao texto.

LITERISTÓRIAS: Fale um pouco sobre a diversidade de trabalhos congregados no LATHIMM-USP?

MARIA CRISTINA: O Lathimm, que recentemente foi rebatizado como “Laboratório de Teoria e História das Mídias Medievais”, tem três eixos distintos de interesse: a imagem, a música e o texto escrito (e o novo nome busca justamente sublinhar as possibilidades dessas diferentes mídias). Cada um deles é coordenado por um pesquisador diferente, que pode ou não congregar outros pesquisadores. Assim, no caso do eixo da música, trata-se das pesquisas realizadas individualmente pelo Prof. Dr. Eduardo Henrik Aubert, fellow researcher da Universidade de Cambridge, na área de musicologia histórica; no eixo dos textos, seu coordenador, o Prof. Dr. Gabriel Castanho, da UFRJ, trabalha com seus orientandos de graduação e pós-graduação, que desenvolvem diferentes pesquisas sobre as práticas escritas, a retórica, os discursos e a semântica na documentação medieval; e no eixo das imagens, que coordeno, há pesquisas individuais dos membros da equipe (graduandos e pós-graduandos) sobre temas tão diversos como manuscritos medievais, iconoclastia na Península Ibérica do início dos tempos modernos, claustros românicos e mosaicos bizantinos, além da pesquisa coletiva sobre imagens nas margens dos manuscritos. Todos os anos organizamos um congresso onde são apresentadas não só as pesquisas realizadas nos três eixos mas também trabalhos de outros pesquisadores sobre as imagens medievais.

LITERISTÓRIAS: Maria Cristina, fale um pouco sobre o projeto “Escritos sobre os novos mundos: uma história da construção de valores morais em língua portuguesa”. Como ele se relaciona à sua trajetória vocacionada às imagens?

MARIA CRISTINA: Minha participação nesse projeto se insere no eixo medieval, estando relacionada à problemática da construção do passado através de escritos e imagens. Mais especificamente, busco entender o modo de funcionamento de um tipo de imagens relativamente frequentes nos manuscritos medievais do século XIII ao XV: as que se encontram nas margens. Estudo, portanto, os discursos propostos por essas imagens – que têm muitas vezes um viés moralizante, mesmo quando se trata de imagens satíricas, pois eram norteadas por um humor profundamente moralizante.

LITERISTÓRIAS: Pensando no jovem pesquisador, que desde a sua IC se encanta com as imagens medievais (como não se encantar?!), que saberes esse interessado ou interessada precisaria reunir para começar a trabalhar com essa documentação? Como você começou?

A quem quer entrar nesse campo de pesquisas riquíssimo e ainda relativamente pouco explorado no nosso país, eu daria alguns conselhos, sobretudo de ordem prática. Em primeiro lugar, o investimento no domínio de línguas estrangeiras: o francês e o inglês, necessariamente, além do alemão e do italiano ou de outra língua específica, e também do latim. Também aconselharia a buscar uma formação em paleografia, caso o interesse seja por manuscritos (porque não se pode estudar imagens descoladas dos textos). E, por fim, a construção do repertório de imagens mais amplo possível, o que só se consegue com a frequentação das imagens (por meio de bancos de imagens, por exemplo).
No meu caso, quando comecei a me interessar por imagens, depois do Mestrado, busquei um tema que tivesse relação com minhas pesquisas de IC e de Mestrado, que foram sobre o monaquismo beneditino: a arte escultórica cluniacense. O primeiro passo foi o estabelecimento do recorte, através da consulta a livros e catálogos com imagens de claustros de mosteiros cluniacenses (a inexistência da internet na época certamente dificultou muito a tarefa), até definir um objeto preciso, o claustro de Moissac. Paralelamente a isso, efetuava leituras teóricas sobre imagens medievais. Essa primeira e breve etapa de formação mais autodidata, por assim dizer, foi completada pela orientação que tive de um dos maiores especialistas na área, Jean-Claude Schmitt, e da participação no grupo de pesquisa que ele coordenava no então GAHOM (Groupe d’Anthropologie Historique de l’Occident Médiéval), na EHESS, onde pude também receber orientações de outros especialistas, como Jean-Claude Bonne, Jérôme Baschet e Michel Pastoureau.

MARIA CRISTINA: (se quiser pode superar as 200 palavras. Maria Cristina, aqui você poderia evocar algumas dificuldades e como fez/faz para vencê-las)

A maior dificuldade que enfrento é o acesso à bibliografia e aos próprios objetos de estudo. Certamente, nos últimos 10 ou 12 anos, com a expansão da internet e dos bancos digitalizados de textos e de imagens, essas dificuldades estão sendo cada vez menores. Mas ainda assim, é necessário passar temporadas na Europa para completar o acesso a esse material, o que torna a pesquisa nessa área de conhecimento muito dependente dos órgãos de financiamento.

Antes de terminar:

Quem quiser comprar o livro Pensamento em imagens... de Maria Cristina, deve visitar o site da editora Intermeios: http://redeintermeios.com/livros-intermeios/151-pensamento-em-imagens-montagens-topo-logicas-no-claustro-de-moissac-9788584990511.html

Quem quiser ler Maria Cristina, no que há disponível na rede, pode consultar seu perfil em Academia.edu: https://usp-br.academia.edu/MariaCCLPereira


    segunda-feira, 10 de julho de 2017

    As Cavalhadas do distrito de Brumal (2017), espetáculo de beleza e união da comunidade

    No dia 2 de julho último, aconteceu no distrito de Brumal, município de Santa Bárbara (MG), a 80ª edição das suas Cavalhadas. Viajei especialmente para acompanhar e documentar a festa, regida por um “maestro” que há 61 anos integra a mesnada[1], falo de Divino Lúcio.

    (foto do livro de Dilce Mendes, p. 6, realizada por Moacir Nunes)


    Conheço bem a festa por leituras e experiência própria, pois já estive na cidade de Guarapuava (PR) para acompanhar a manifestação que, no ano em que lá fui, envolveu cerca de 600 pessoas, entre atores, cavaleiros e comunidade vestida “à moda medieval”! Como medievalista, tenho grande consideração por tudo o que promove a curiosidade das pessoas para o estudo dos modos de viver desse largo período ainda hoje marcado pelo desconhecimento e pelo preconceito. Quem já não ouviu ou leu (!) a famigerada expressão “Idade das Trevas” associada à Idade Média? Pois é, o que vi em Brumal foi luz e cor, o que há de mais próximo dos vitrais de uma catedral gótica...

    Segundo Dilce Amara Mendes:

    a festa [em Brumal] foi criada pelo tropeiro Jorge da Silva Calunga, natural de Morro Vermelho, distrito de Caeté. Em meados de 1936 mudou-se para Brumal com toda a família. Tropeiro, foi trabalhar numa fazenda onde conheceu Amaro Antônio Luiz, que exercia a mesma profissão. Após terem uma graça alcançada por Santo Amaro, os amigos decidiram realizar a cavalhada em sua homenagem, seguindo as características da festa existente na terra de origem de Jorge.[2]

    O cavaleiro Divino Lúcio a quem me referi no primeiro parágrafo é filho de Amaro Antônio Luiz. Dilce Amara Mendes é a organizadora do belíssimo livro Brumal mostra a cavalhada, obra bilíngue (português e inglês), repleta de depoimentos e de fotografias. Segundo um de meus informantes, praticamente toda a comunidade de Brumal tem em casa um exemplar da obra. Trouxe para a minha casa o exemplar desse meu informante, não surrupiado, mas ofertado.

    Creio que muita gente sabe a origem da festa. Ela remonta à Reconquista, um conceito controverso, mas operativo, que enfeixa relações vivenciadas na Península Ibérica, durante a Idade Média: expansão territorial (por sobre os territórios conquistados pelos muçulmanos depois de 711); confronto bélico; expansão do poder político cristão; substituição de modos de viver radicados nas relações feudo-vassálicas, nobreza bélica e suporte ideológico[3]. Desse conteúdo ideológico, faz parte o universo da guerra justa e da guerra santa. A Reconquista teve como seu guardião espiritual, São Tiago, cujas relíquias encontradas na Galiza no início do século IX fortaleceram a coesão das populações cristãs frente ao domínio mouro.

    Todos sabemos como essa história terminou: a conquista cristã do reino mouro de Granada marca (para mim) o fim da própria Idade Média na Península Ibérica, em 1492. A Reconquista não se confunde com a Idade Média Ibérica, mas é um de seus elementos constitutivos mais estruturais. É evidente que uma vitória tão retumbante do cristianismo, frente a uma presença que durante séculos foi culturalmente mais brilhante haveria de ser evocada e comemorada de muitas formas. Assim, nasceram as cavalhadas.

    Elas habitam o diversificado repertório cultural trazido pelos portugueses ao Brasil. Mas se no medievo a sua base de realidade pingava sangue, hoje no Brasil essa festa agrega as pessoas e promove a paz:

    ·        Com o passar dos anos, para mim, a Festa de Santo Amaro se tornou o momento de encontros. Momento de Brumal e sua gente se reencontrar. Gerações que haviam se mudado retornavam e, juntas, traziam seus filhos. (depoimento de Murilo Nazário)[4];
    ·        A Cavalhada de Brumal (...) promove e fortalece o que é o maior legado desta festa: o sentimento de pertencimento comunitário da Vila. (depoimento de Viviane Corrado de Andrade)[5]

    Cheguei a Brumal no dia 1º de julho, sábado, e pude acompanhar a preparação do terreno em que se daria a corrida.

    No dia 2, continuei a observar e a documentar a instalação de barracas, bandeirinhas e ornamentos vários. Visitei o recém inaugurado Memorial da cavalhada[6]. Esse espaço é bem organizado e oferece informações claras ao público. Na entrada, um grande mural contextualiza a Reconquista, a chegada do tema ao Brasil e a festa, a Brumal. Ao longo de um corredor, é possível contemplar a galeria de cavaleiros e notei logo que essa tropa é formada por homens de diferentes idades, que vão assumindo o lugar de seus parentes. Achei interessante esse resíduo nobiliárquico! Sabemos que no medievo a cavalaria não se confundiu sempre com a nobreza. A princípio, nem cavaleiros havia!, o que havia eram guerreiros, homens armados, milites, como surgem nos documentos. Esses homens foram se transformando e sendo transformados até um contexto em que príncipes e reis não se contentariam com seus status, queriam ser cavaleiros e assim foram feitos, sobre o chão das batalhas e em cerimônias faustosas ou mesmo simples[7].

    O Memorial acolhe o figurino dos cavaleiros e, na varanda dos fundos, podemos ver dois imensos bonecos feitos em tecido que representam o cavaleiro cristão e o cavaleiro mouro. Há também uma boa cozinha e um salão onde os cavaleiros jantariam depois da festa. Ainda não era hora do almoço, mas o trabalho estava fervendo ali.

    Segundo apurei, a casa em que funciona o Memorial foi cedida para esse fim e as pesquisas e obras que o viabilizaram foram resultado de uma parceria entre a prefeitura de Santa Bárbara e uma mineradora. No dia de minha visita, conheci o Prefeito Léris Felisberto Braga, entusiasta das cavalhadas. Conversamos um pouco, falei das razões de minha visita e ouvi alguns de seus planos. Observei depois que ele prestigiou toda a festa e perambulou no meio do povo. Em tempos de tanto descrédito político, achei inusitada a relação amistosa e aparentemente próxima entre ele e os moradores do distrito.

    Participei da missa campal, em homenagem a Santo Amaro, o “São Tiago” do presente de Brumal. Santo Amaro não é “matamoros”[8], é o amigo de São Bento, portanto jamais soube em vida o que era um mouro[9]... Em janeiro deste ano, quando visitei o Santuário do Caraça, eu havia conhecido a pequena e bela igreja barroca construída em sua homenagem. Segui a procissão, guiada pela imagem tricentenária. Tudo isso constitui a agenda das cavalhadas de Brumal.

    Havia muitos cavaleiros em Brumal para as Cavalhadas, não necessariamente participantes da “campanha”. Destaco os cavaleiros do município de Raposos (MG), chamados de “Cowboys da amizade”, entre outros e mesmo mulheres que participam de cavalhadas femininas, que gostaria muito de documentar um dia! Essas mulheres ajudaram no momento do trançado das fitas, manobra realizada pelos cavaleiros de Brumal.

    No fim da tarde, a entrada da tropa de Divino Lúcio no terreno foi anunciada com papel picado colorido e muitas palmas. Um pouco antes, os organizadores distribuíram pequenos lenços para que o público pudesse acenar para os cavaleiros.


    A mesnada foi composta por 34 cavaleiros, liderados pelo comandante. No princípio, foram realizadas as embaixadas, que são uma espécie de profissão de fé da “campanha”. Os cavaleiros treinam a fala e o microfone ajuda a gente a entender algumas frases. É importante lembrar que falam enquanto exibem a destreza a cavalo e “confrontam” o comandante, empinando a montaria. Várias coisas juntas...

    (...) completei idade e fui convidado pelo meu pai a fazer parte da cavalhada como cavaleiro. Comecei acompanhando, correndo, até que chegou o dia de ser embaixador. Foi com orgulho que treinei e decorei a embaixada. Para mim tudo isso é muito especial porque é tradição de família. (depoimento de Luciano Bernardo Luiz, filho de Divino Lúcio e neto de Amaro Luiz) [10]

    (Foto do livro de Dilce Mendes, p. 72, realizada por Marcos Leg)

    Depois começaram as evoluções do grupo. Como foi a primeira vez que vi o espetáculo, não posso afirmar que a “coreografia” tenha mudado ao longo dos anos[11]. Taí uma pergunta para fazer em uma próxima visita a Brumal. No excelente livro organizado por Dilce Mendes também não encontrei pista disso, a não ser algumas imagens em que cavaleiros empunhavam espadas. Assim, sobre o que vi, posso dizer que na edição de 2017 das cavalhadas de Brumal não vi jogos (como por exemplo, lançamento de arco em argolas), mas evoluções, como a trança das fitas e outros movimentos realizados por cavaleiros cristãos e mouros de forma colaborativa. Mesmo quando o locutor anunciava que o movimento significava um combate, os cavaleiros não emulavam a luta, mas executavam um “ballet” em que se misturavam cristãos e mouros. Essa foi para mim a mais significativa renovação da memória e da História! As cavalhadas em Brumal celebram para o público – da comunidade ou para os turistas – que é possível cavalgar junto, na diferença. Não sei ao certo se as pessoas que prestigiam o evento e que aplaudem a destreza dos cavaleiros têm consciência disso. Mas se esse “ballet” tiver despertado o interesse de visitar o belo memorial e ler um pouco mais a respeito da Reconquista, as cavalhadas, realizadas em nosso país, em diversas localidades do Brasil, terão cumprido um papel importante de promoção do conhecimento de uma realidade específica, radicada no medievo, e de como tradições podem ser renovadas e transformadas!

    Ora, mesmo quando há disputa entre cavaleiros, refiro-me às praticas em outras cavalhadas, ao final, o que se promove é a paz; é a possibilidade de congraçamento. Em Brumal, depois da festa, cavaleiros mouros e cristãos sentam-se à mesma mesa e como afirmou Isidoro de Sevilha (séculos VI e VII) em sua Regra: “não pode haver uma mesa comum para os que não partilham do modo de vida”[12]. No período das Cavalhadas, a comunidade de Brumal se reconhece nessa mesa comum.

    Um dos segmentos mais significativos do livro de Dilce Mendes é a recolha dos depoimentos das crianças, entre os quais eu destaco o de Gleison: “Sou um cavaleiro mirim e, quando eu crescer, vou ser um cavaleiro de verdade e representar os mouros e cristãos na Cavalhada de Santo Amaro”[13]. Na declaração do menino, leio a vitalidade das cavalhadas e uma promessa a ser fortemente levada em consideração no mundo em que vivemos... Gleison não se importa em ser mouro ou cristão, quer ser cavaleiro! Acho que ele compreendeu tudo.


    Epílogo:
    Em janeiro de 2017, estive no Santuário do Caraça com minha família. Era um sonho antigo meu! Lá conheci o Padre Lauro e Sílvio Quirino Pereira, funcionário do santuário. Graças a Sílvio, conheci a igrejinha de Santo Amaro, segui a procissão do santo em janeiro e fiquei sabendo da realização das cavalhadas em julho. Sílvio me acolheu em Brumal; hospedou-me; levou-me a todo canto; apresentou-me a pessoas, ao prefeito de Santa Bárbara e à sua família: a esposa Joana, as suas meninas Fran e Sabrina, seus netos Arthur e Calebe, suas irmãs Geralda, Márcia e Margarida, seu irmão Pedro e a esposa, Mariza, que preparou nosso café da manhã. Esse texto não existiria sem o seu acolhimento amigo que me fez me sentir parte da família, como uma prima que mora em outra cidade e que vem rever os seus sempre que pode. Obrigada, Sílvio. Agradeço também à minha mãe, que largou suas coisas, seu gato (felino mesmo rsrsrs), para me acompanhar e segurar a minha mão no avião.

    Pergunta: quando mesmo serão realizadas as próximas cavalhadas, comunidade de Brumal?

    Confira o álbum em: https://www.facebook.com/marcella.lopesguimaraes/media_set?set=a.936714086468480.1073741906.100003896911130&type=3&pnref=story 


    [1] Tropa.
    [2] MENDES, Dilce Amara Margarida (org.). Brumal mostra a cavalhada. Santa Bárbara (MG): Associação Comunitária de Brumal, 2013. p. 4.
    [3] Sobre o tema da Reconquista, sugiro o excelente texto de García Fitz: GARCÍA FITZ, Francisco. “La Reconquista: un estado de la cuestión”. Revista Clio & Crimen 6, p. 142-215, 2009. Disponível em: https://www.durango-udala.net/portalDurango/RecursosWeb/DOCUMENTOS/1/1_1945_3.pdf ; acesso em 6/07/2017.
    [4] MENDES, Dilce Amara Margarida (org.). Brumal mostra a cavalhada. Santa Bárbara (MG): Associação Comunitária de Brumal, 2013. p. 16.
    [5] Idem, p. 25.
    [6] O Memorial foi inaugurado em 23 de junho de 2017.
    [7] Sugiro o pequeno livro de Jean FLORI: A cavalaria. A origem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo Madras, 2005.
    [8] São Tiago foi chamado assim no medievo, quando atuou como “patrono” da Reconquista.
    [9] Maomé teve revelado o conteúdo do Alcorão entre 610 até a sua morte em 632, portanto depois da existência histórica de Amaro (ou Mauro) e Bento.
    [10] MENDES, Dilce Amara Margarida (org.). Brumal mostra a cavalhada. Santa Bárbara (MG): Associação Comunitária de Brumal, 2013. p. 18.
    [11] No mural que cobre o 1º aposento do Memorial, há os esquemas das evoluções.
    [12] Retirei o trecho do excelente livro do meu amigo Renan FRIGHETTO: A comunidade vence o indivíduo: a regra monástica de Isidoro de Sevilha (século VII). Curitiba: Prismas, 2016. p. 191. Lembro-me que quando li os originais da obra, “obriguei” meu amigo a colocar esse trecho como epígrafe. Pois não é que ele me atendeu?! É a epígrafe de sua conclusão.
    [13] MENDES, Dilce Amara Margarida (org.). Brumal mostra a cavalhada. Santa Bárbara (MG): Associação Comunitária de Brumal, 2013. p. 24.